segunda-feira, 4 de abril de 2011

Sobre o fim


Estou suando de fora pra dentro e esse suor que vem do mundo me contamina todo. Confundi tudo, eu sei, mas o que vem dele me contamina tanto quanto o que vem de mim mesmo e do mundo. O que mais me incomoda é a animosidade de algumas pessoas. Sim, eu tenho medo de gente. E só não digo tudo que penso porque tenho tanto medo da verdade quanto você. Entregaria-me agora. Entregaria-me mesmo sabendo que nem sabe e, talvez, nunca saberá. Escrevo tentando decifrar o que isso tudo está fazendo comigo e se é tudo real. Estou me transformando e ninguém parece notar, porque estou vivendo esse sentimento inventado, que na verdade todos desconfiam mas ninguém tem certeza se existe. Esse suor que me vem do mundo está me transformando em algo que não sou e talvez seja mais eu do que eu mesmo. Fui eu que inventei tudo. O romance nunca existiu e sou eu que vou ter que acabar com ele. Não ouvi muito bem o que disse, por conta do álcool, do suor e de toda aquela gente sedenta por um pedaço de qualquer coisa que seja vida ou felicidade. Mas se ouvi direito, eu morri, e enterrei junto o que sentia.

domingo, 27 de março de 2011

Sobre gostar



Sempre tento estar bem, se reclamo é por esporte mesmo. Se não estou bem, finjo estar. Mas o telefonema que dei ontem foi tão ridículo a ponto de me fazer perder o sono. Assisti True Blood, vi muito sangue e sexo, e mesmo assim não me acalmei. Tudo começou com uma mensagem de texto e algumas cervejas. A minha fala travava ao ouvir a sua. O que é isso? Burrice. Eu não poderia ter feito isso. Afinal, para quê? Ouvir sua voz? Não, não estou tão carente assim. Talvez eu esteja criando esse romance que não existe só para preencher esse vazio enorme que tenho e não existe. Você está conseguindo vir por esse caminho comigo? Estou complicando demais as coisas? É que de sentimentos só sei sentir. Só sei gostar sozinho, escondido, sem ninguém saber. Tento promover o desapego e a qualquer afago eu cedo. Nem te toquei e já me sinto dono, nem bem nos falamos. Você não sabe, e se soubesse estragaria tudo. Ainda não sei o que pensa disso, e não sei se saberei agir com isso de gostar a dois. Só queria dizer que não gosto de você. O que sinto é algo que vem da falta de gostar. A ausência de um relacionamento amoroso me trouxe isso, uma total falta de aptidão aos sentimentos e as pessoas, agora só sei escrever o que escondo, e esconder o que sinto.  

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Colina da Melancolia

Eu morava numa colina chamada melancolia. E nela os pedaços. Um indigesto aroma. Coisas que nem iam e nem vinham. De lá memória de vozes. Uma extrema falta de certeza. Um deles me disse que é preciso usar e ser usado, segundo ele, só assim é possível evoluir. Outro examinava cada palavra que eu dizia. Meus passos deixavam pegadas que ele seguia. Havia um outro, aliás, vários deles, pagavam por sexo. Isso me deprimia. Eles se contentavam em ser piores do que são. Tenho uma arma, digo sempre a verdade. Só queria alguém tão vazio como eu para que talvez nos preenchêssemos. Porque apesar de seguir as regras, sou um marginal. Me retiro continuando aqui. Quero terminar sem ao menos ter começado. Acontece que está havendo agora um dilúvio na colina da melancolia. Ela está afundando. O que ninguém nunca me falou, é que ás vezes é preciso ignorar as vozes de fora, e ouvir as de dentro. Dizer a verdade me fez destruir um mundo que conhecia, agora ele está submerso, e eu flutuando.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Baile de máscaras


Era um baile de máscaras. Eles dançavam, mas não podemos dizer se felizes ou não. Os rostos por trás das máscaras eram desconhecidos. Todos desconhecidos entre si, porém insistiam em definir uns aos outros como “amigo”. Esqueci de mencionar que esse era um baile de leões mascarados. Eu já sabia que aquele pedaço de carne que havia sido jogado no centro do salão traria uma guerra. Eu estava prevendo isso. O chão do salão parecia instável. A cada passo nos desestabilizávamos. A carne sanguinolenta sentia-se soberana. Sentia-se acima de todas as outras criaturas que haviam ali, por ter o poder de causar a fome e a animosidade. Soube que os leões seriam capazes de tudo, lutariam de todas as formas para obter aquele pedaço de carne crua. A cena era chocante. E a carne que estava sendo disputada, parecia em um estado avançado de decomposição. Ela apodrecia. Cada máscara escondia a falta de um rosto, que aqui eu vou chamar de personalidade. Ao deixar o recinto já não havia vestígios do tal pedaço de carne e os leões mascarados começaram a se devorar.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Enquanto eu estava chupando

Inerte estava quando uma ordem vinda inocente me pôs em movimento. Então me movi. Parecia pronto e aberto ao mundo. Só esperando algo grandioso me arrebatar e mudar minha vida para sempre. Sim, eu estava aberto. E de repente ele se materializa em minha frente e sorri um riso malvado, de quem sabe que me domina. Eu ignoro. Finjo que nem o vejo. Mas você sabe, de alguma forma, que está sob controle de tudo ao seu redor. E com certeza sabe de mim. Em uma das mãos eu carregava um sorvete tão frio quanto ele. O meu calor o derretia, mas antes disso, eu chupava o máximo que podia, o mais rápido que podia. Entre seus amigos havia essa energia informal de poder, como se sem fazer nada, fossem indispensáveis àquele lugar, naquele momento. Era a segunda vez que o via. Eu ia longe. A avenida se estendia infinita em minha frente e costas. Ele parecia me perseguir, já sentia sua respiração lenta e calma no meu pescoço. Algo me dizia que ele sabia. Frio. O sorvete me congelava inteiro. O sorvete era ele. E enquanto eu o chupava, a distancia entre um poste e outro aumentava. Meus passos não venciam aquela avenida. E eu nem tive coragem de dizer “oi” dessa vez. Se dissesse me entregaria na primeira sílaba que saísse da minha boca. Porque ela já está nele. E não poderia lhe estender a mão, para cumprimentá-lo, sem também lhe entregar a alma.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Orgasmo


Palidez de nova onda. Ele me olhou e me trouxe aquilo que me amortece e por isso eu mantinha escondido. Seu toque me trouxe aquilo, que se não me engano, se chama vida. Ainda imóvel, sinto o mais perto, o toque da sua mão sobre a minha. E meu sexo, que há tempos adormecia, começa a pulsar. A polidez de seu gesto ao ceder às convenções sociais e me dar a sua mão, me fez relembrar de algo. Seus olhos verdes e tão jovens e frescos que me fizeram lembrar que os meus também são tão quanto jovens e frescos. Você e eu não somos tão diferentes. Talvez sejamos parecidos demais. Ele se foi rápido. Ele riu. Ele girou em torno de si mesmo. E eu que pensava estar condenado a ter que me esconder. Só estou dizendo o que realmente me vem à boca. Só digo o inevitável. É o que vem disso que escondo. Meu medo me come a alma e meu corpo se torna lento um zumbi. O amor que não tenho por mim, é o amor que não me dão. Me falta o controle. Mas nesse momento meu mundo parece mesmo ter desmoronado de uma vez por todas. E os bichos escrotos que me habitavam, parecem estar aos poucos deixando minha corrente sanguínea. Já não me dominam completamente e se despedem. Deixam lugar para o desconhecido. O vazio é chamado por um grito que dou em silêncio. E o silêncio, como todos sabem, é ensurdecedor. Só sinto a voz dele, que sem querer, me trouxe nessa viagem e me deixou aqui sozinho. O silêncio se foi. Sua voz ecoa e tem residência fixa em minha memória. Agora estou liberto ao grito. Eu me entrego àquele gesto. Mão com mão. Sexo com sexo. O orgasmo veio em forma de uma lágrima extremamente salgada que nem teve tempo de descer meu rosto. Ao nascer a lágrima foi morta por um sorriso.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Depoimento: ÓDIO

Coisas assim é que me fazem morrer. Morrer não do modo literal, esse morrer é diferente, é morrer só um pouco por dentro. É perder o pouco de que ainda tenho na raça humana. Sei que não sei muito de coisas exatas. Na verdade eu sei quase nada. Eu só sei bagunçar, imaginar, desafiar... O problema de hoje é que tenho dois amores. Odeio dizer ‘amores’, odeio essa palavra. Odeio ‘amor’ e seus derivados. Acontece que tenho a sexualidade confusa, não sou gay nem hetero. Gostava de um garoto introvertido chamado Pedro. Isso durou semanas. Foi um amor intenso, porem solitário. Um amor platônico. Hoje estou entre ele e a Érica minha nova-atual paixão. Odeio também essa palavra ‘paixão’. Odeio tudo que tenta colocar sentimentos em palavras. Isso é impossível. Estou no quarto e posso ouvi-los enquanto ambos conversam (Pedro e Érica) sobre socialismo. Eles acabaram de fumar maconha e isso estimula a produção de filosofia barata. Ouço-os agora, falam sobre mim? O que será? Não me importo, cheguei a um ponto que já não me importo com muita coisa. Às vezes, quase sempre quero morrer. Acho até que escrevo já morto. Só eu e minha voz, a consciência. Só eu e o útero de idéias. Talvez seja ciúme de dois amores, terrores. Não sei o que sinto por cada um. Só sei que odeio ambos com a mesma força que quero devorá-los.


(esse texto foi originalmente postado em maio de 2009 no www.myspace.com/rafaelfrancobr em breve postarei material inédito aqui).


Escrito por Rafael Franco